segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Desigualdade nos Estados Unidos: Yes, nós somos bananas

Viomundo - O que você não vê na mídia
Luiz Carlos Azenha
8 de novembro de 2010 às 12:23

Nossa república das bananas

By NICHOLAS D. KRISTOF, no New York Times

November 6, 2010

Em minhas reportagens, eu viajo regularmente às repúblicas das bananas notórias por sua desigualdade. Em algumas destas plutocracias, o 1%  mais rico da população abocanha até 20% da torta nacional.

Mas, dá para acreditar? Você não precisa viajar a países distantes e perigosos para observar tal desigualdade. Nós temos isso bem aqui em casa — e depois das eleições de quinta-feira, pode piorar.

O 1% mais rico dos norte-americanos agora acumula quase 24% da renda nacional, comparado com 9% em 1976. Como Timothy Noah da [revista eletrônica] Slate notou em sua excelente série sobre desigualdade, os Estados Unidos agora tem uma distribuição de riqueza mais desigual que as tradicionais repúblicas das bananas da Nicarágua, Venezuela e Guiana.

Os dirigentes das maiores companhias dos Estados Unidos ganhavam em média 42 vezes o salário médio dos trabalhadores em 1980, mas isso passou a 531 vezes em 2001. Talvez a estatística mais chocante seja esta: de 1980 a 2005, mais de quatro quintos do aumento total de renda dos Estados Unidos foram para o 1% mais rico.

Este é o cenário para uma das grandes brigas pós-eleitorais de Washington — até quando estender os cortes de impostos de Bush para os 2% mais ricos dos Estados Unidos. Os dois partidos concordam em estender os cortes de impostos para quem ganha até 250 mil dólares [por ano]. Os republicanos também querem estender os cortes de impostos para quem ganha acima disso.

O 0,1% dos contribuintes mais ricos receberia um corte de impostos de 61 mil dólares do presidente Obama. Mas receberia 370 mil dólares [de corte de impostos] dos republicanos, de acordo com o grupo não partidário Tax Policy Center. E isso resultaria num modesto estímulo econômico, já que os ricos em geral não gastam o que deixam de pagar em impostos.

Num período de desemprego de 9,6%, não faria mais sentido financiar um programa de emprego? Por exemplo, o dinheiro poderia ser usado para evitar a demissão de professores e o enfraquecimento das escolas norte-americanas.

Além disso, uma prioridade óbvia do pior desaquecimento da economia em 70 anos seria estender o seguro-desemprego, parte do qual será cortado em breve a não ser que o Congresso aja para renová-lo. Ou há também o programa de assistência para o ajuste do comércio, que ajuda a treinar e apoiar trabalhadores que perderam seus empregos por causa do comércio exterior. Não será mais aplicado aos trabalhadores do setor de serviços depois de primeiro de janeiro [de 2011], a não ser que o Congresso intervenha.

Assim temos uma escolha. São nossa prioridade econômica os desempregados ou os zilionários?

E se os republicanos estão preocupados com o déficit do orçamento de longo prazo, uma preocupação justa, por que insistem em dois passos que economistas não partidários dizem que piorariam os déficits em mais de 800 bilhões de dólares na próxima década — cortar impostos para os mais ricos e derrubar a reforma do sistema de saúde? Que outros programas os republicanos cortariam para garantir os 800 bilhões em receita perdida?

Ao considerar estas questões, é preciso relembrar o cenário em que se deu o crescimento da desigualdade nos Estados Unidos.

No passado, muitos de nós aceitávamos os níveis de desigualdade porque acreditávamos existir uma troca entre igualdade e crescimento econômico. Mas há provas de que os níveis de desigualdade que agora atingimos na verdade suprimem o crescimento. Uma gota de desigualdade pode lubrificar o crescimento econômico [nota do Viomundo: teoria de Ronald Reagan, a Reagonomics, segundo a qual quando sobra mais dinheiro para os mais ricos eles investem na economia e criam empregos], mas muita desigualdade pode emperrar a economia.

Robert H. Frank, da Universidade de Cornell, Adam Seth Levine da Universidade Vanderbilt e Oege Dijk, do Instituto da Universidade Europeia, recentemente escreveram um trabalho fascinante sugerindo que a desigualdade causa problemas econômicos. Eles olharam para os dados do censo para 50 estados e os 100 condados mais populosos dos Estados Unidos e encontraram relação entre os lugares onde a desigualdade mais cresceu e o crescimento do número de falencias.

Aqui está a explicação: quando a desigualdade cresce, os mais ricos pegam o dinheiro e compram mansões ainda maiores e automóveis ainda mais luxuosos. Os que se encontram abaixo tentam fazer o mesmo e acabam gastando a poupança e assumindo dívidas, tornando uma crise financeira ainda mais provável.

Outra consequência descoberta pelos estudiosos: a desigualdade crescente aumenta o número de divórcios, presumivelmente como resultado de dificuldades financeiras. Talvez eu seja muito sentimental ou romântico, mas isso me impressiona. É um lembrete de que a desigualdade não é apenas uma questão econômica, mas também de dignidade e felicidade.

Há provas crescentes de que perder um automóvel ou uma casa mexe com a sua identidade e acaba com a sua autoestima. Mudanças forçadas [de endereço] arrancam famílias de suas escolas e de suas redes de apoio.

Em resumo, desigualdade deixa as pessoas que estão mais baixo na escala social se sentindo feito ratinhos na roda que gira cada vez mais rápido, sem esperança ou escape.

Polarização econômica também rompe nosso sentido de união nacional e de objetivos comuns, gerando também polarização política.

E assim, no cenário pós-eleitoral, não devemos agravar nossa separação por renda, que deixaria um caudilho latino-americano orgulhoso. Para mim, já chegamos ao ponto das repúblicas das bananas onde a desigualdade se tornou economicamente pouco saudável e moralmente repugnante.

PS do Viomundo: Este site não gosta de julgamentos morais. Nota que os Estados Unidos combateram ferozmente os governos que tentaram reduzir a desigualdade, tanto na Nicarágua quanto na Venezuela. E, ao contrário do articulista, nota que a desigualdade nos Estados Unidos se acelerou porque os ricos passaram a exportar os empregos e, para pagar menos imposto, a sediar suas corporações em paraísos fiscais, enquanto os mais pobres foram fritar hambúrguer no setor de “serviços”.

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