quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Quando a desinformação vira arma político-partidária todos perdemos | Viomundo - O que você não vê na mídia

6 de outubro de 2010 às 11:16

Por Conceição Oliveira: blog Maria Frô, twitter: @maria_fro

Relutei em entrar no debate sobre como a descriminalização do aborto está sendo usada pela direita raivosa ou dissimulada nesta campanha eleitoral, pelo simples fato de que independente de quem assuma a Presidência no Brasil esta não é uma decisão do EXECUTIVO, mas papel do CONGRESSO. É dele a tarefa de discutir projetos desta natureza.

Portanto, o que quer que cada candidato tenha dito durante a campanha eleitoral é sempre expressão de uma visão individual. Todos os candidatos inclusive, José Serra, – que tem a mania de reivindicar projetos que não são seus e se esquecer daqueles que, embora positivos, são espinhosos eleitoramente – no início da campanha trataram a temática do aborto como uma grave questão de saúde pública.

Ao longo da campanha eleitoral, uma outra campanha subterrânea que foi ignorada pela cúpula petista ganhou proporções perigosas, não apenas à vitória da candidata Dilma Rousseff, mas à democracia. Falo da campanha insidiosa levada a cabo por uma senhora que assina Doris Hipólito e responde ao mail dorisprovida@ig.com.br. Ela é uma das responsáveis pela disseminação na rede e no mundo offline de panfletos mentirosos sobre a candidata Dilma Rousseff e a questão do aborto, sobre a união civil de homossexuais e sobre outros tópicos do Plano Nacional de Direitos Humanos 3. Esta senhora além de disseminar notícias falsas como esta aqui, dissemina na rede visões conservadoras como a do jurista Ives Gandra, emitidas em canais de tevê, como se fossem um tratado isento de partidarismo, como se fossem a expressão da verdade.

Tal campanha omite que todos os princípios observados no PNDH3 estavam presentes nos PNDH anteriores aprovados durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Convido os leitores a ouvirem a entrevista do professor Paulo Sérgio Pinheiro que foi ministro do presidente Fernando Henrique Cardoso e responsável pela aprovação dos PNDH anteriores: CBN- Entrevista com Paulo Sérgio Pinheiro, membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e consultor do Programa Nacional de Direitos Humanos. Quando o assunto em pauta são os Direitos Humanos, professor Paulo Sérgio Pinheiro é uma das figuras públicas mais respeitáveis no país e internacionalmente. A entrevista é bastante didática e contribui para esclarecer que toda esta campanha insidiosa, mentirosa e perigosa que utiliza uma leitura atravessada dos princípios estabelecidos no PNDH3 de modo político-partidário contra o PT e a candidata Dilma Rousseff trata-se não da defesa da liberdade de expressão ou dos valores humanistas, mas de uma expressão reacionária contra os Direitos Humanos, promovida pela direta excludente e preconceituosa que não se conforma por estar fora do poder e está disposta a tudo para retomá-lo.

Convido ainda os leitores deste blog a ler o surpreendente relato do advogado Arnóbio Rocha sobre a agressão sofrida ontem na escola pela sua filha de 9 anos por colegas de classe ao declarar os votos de seus pais à candidata Dilma Rousseff: “Quando os pais transmitem seus ódios aos filhos contra Dilma, não estamos mais numa sociedade democrática rompem-se os laços

Por outro lado há uma reação na própria esquerda, incluindo um membro da Comissão Nacional da Comunicação do PT que acusa as feministas pelas eleições presidenciais terem ido para o segundo turno. Este é o mesmo primarismo dos que acusam as feministas paulistas pela não eleição de Netinho de Paula ao Senado.

Estamos vivendo tempos de grande confronto de idéias e projetos políticos, espero que a sociedade brasileira use de bom senso e que estabeleça os valores democráticos e o apreço à verdade como bandeira política.

Para finalizar, reproduzo abaixo artigo da médica Fátima de Oliveira sobre a posição do Estado Brasileiro ao longo de algumas décadas diante da questão do aborto. É um texto sintético que nos permite ver como um Estado democrático age em relação às questões de saúde pública.

Respostas do Estado brasileiro à ilegalidade do aborto

Por: Fátima de Oliveira, in: Repressão policial, ideológica e política contra o aborto no Brasil

(O artigo também pode ser lido na íntegra, formato PDF, aqui)

O Código Penal não pune o aborto em caso de gravidez resultante de estupro e para salvar vida da gestante (1940): “Só meio século depois foi instalado na cidade de São Paulo o 1º Serviço Público de Aborto Previsto em Lei, na administração da prefeita Luiza Erundina. Antes disso, apenas na Unicamp (Campinas, SP), sob a responsabilidade do dr. Aníbal Faúndes, as mulheres encontravam solidariedade para o aborto quando engravidavam pós-estupro. Há mais de uma década gestantes que não desejavam levar adiante uma gravidez na condição de ‘caixão ambulante’ de fetos anencéfalos recorriam a juízes e ao Ministério Público, que em geral autorizavam a interrupção. A liminar encerra tão injusta peregrinação (…) Todos os tratados, convenções e conferências do Sistema Nações Unidas não proíbem o aborto e instam os países membros a atenderem com dignidade os casos de abortamentos inseguros” [Oliveira, Fátima. "Interrupção de gestação: um direito". O Tempo, Belo Horizonte, 28/7/04].

1) Norma Técnica Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Meninas (1998), ministro da Saúde, José Serra, e coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher, a médica e feminista Tânia Lago;

2) Gestação de Alto Risco: Manual Técnico (1999), ministro da Saúde, José Serra, coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher, a médica e feminista Tânia Lago;

3) “Rever a legislação repressiva sobre o aborto: um compromisso do Brasil para com as mulheres”, documento da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, da Presidência da República, divulgado no dia 28 de setembro de 2003, por ocasião das atividades da Campanha 28 de Setembro, pela Descriminalização do Aborto na América Latina e no Caribe, no qual está escrito: “A legislação brasileira ainda não se adequou às recomendações do Plano de Ação da Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing, em 1995, que considerou o aborto uma questão de saúde pública e apontou para a necessidade do abrandamento de leis repressoras (…) O governo brasileiro é signatário de documentos de Conferências das Nações Unidas que consideram o aborto um grave problema de saúde pública (Cairo, 94) e recomendam que os países revisem as leis que penalizam a prática do aborto inseguro (Beijing, 95). E reafirma neste 28 de setembro – Dia pela Descriminalização do Aborto na América Latina e no Caribe – estes compromissos. Ministra Emilia Fernandes. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres Presidência da República.”

4) Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (2004), ministro da Saúde, Humberto Costa, e coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher, a médica e feminista Maria José de Oliveira Araújo;

5) Seminário Internacional Políticas Públicas para as Mulheres na Área de Saúde: experiências Latino-americanas e do Caribe (25 a 27 de maio), idealizado e realizado pela Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, que resultou na criação do Fórum de Políticas Públicas para a Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe, espaço de intercâmbio de informações, experiências, articulação política e elaboração de mecanismos de cooperação entre os países membros, integrado por órgãos nacionais governamentais de mulheres e de saúde e organizações feministas nacionais e regionais (2004), ministro da Saúde, Humberto Costa, e coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher, a médica e feminista Maria José de Oliveira Araújo;

6) Pacto Nacional pela Redução da Morte Materna e Neonatal (2004), ministro da Saúde: Humberto Costa; e coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher: a médica e feminista Maria José de Oliveira Araújo; e

7) Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento (2004), ministro da Saúde: Humberto Costa, e coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher, a médica e feminista Maria José de Oliveira Araújo.

Ao mesmo tempo em que o governo responde às pressões do movimento feminista, ainda que tímida e lentamente, no tópico aborto (prevenção e atenção ao abortamento inseguro, das “Recomendações do Cairo”) o “núcleo duro” do governo silencia, e parece sucumbir diante das pressões diretas do Vaticano sob o governo do presidente Lula que, como sabemos, é um cristão/católico romano vulnerável. Em contraposição, e rompendo a ordem do governo de silenciar sobre o aborto, e entendendo que fazem parte de um “governo de coalizão nacional”, setores, notadamente Ministério da Saúde e Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, fazem a disputa ideológica no interior do governo.

Ao mesmo tempo, as forças conservadoras se movimentam também no Congresso Nacional, conforme quadro abaixo sobre Projetos de Lei sobre aborto apresentados em 2003, dos quais três mantêm o caráter restritivo e criminalizador (PL 809/03, 849/03 e 1.459/03), com aumento da pena (PL 1.459/03) e a instituição da legalidade da delação (PL 849/03). Considerando as antigas e novas proposições, o PL 1.135/1991 e o PL 21/2003 suprimem, no Código Penal, o artigo que criminaliza o aborto, portanto contam com o apoio do feminismo.

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