publicado no Viomundo
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28 de março de 2010 às 9:21
por Gilson Caroni Filho, em Carta Maior
As recentes críticas do presidente da República à mídia brasileira devem ser lidas à luz de um recorte deontológico preciso. Se um dos compromissos fundamentais do jornalismo é a preservação da memória, a imprensa nativa tem, ao longo das últimas décadas, empregado uma estrutura discursiva recorrente para produzir esquecimento. A preocupação de Lula com o hipotético estudante que, daqui a trinta anos, se debruçará sobre mentiras quando folhear o noticiário dos grandes jornais, não só tem fundamento como deveria preocupar os historiadores. Afinal, qual será o valor dos nossos periódicos como fontes primárias de consulta? Em princípio, nenhum. Salvo se a pesquisa for sobre o discurso noticioso e os interesses mais retrógados
Ao tentar colar o rótulo de “estatistas” nas propostas estratégicas do governo, e apresentar o Partido dos Trabalhadores e a ministra Dilma Roussef como defensores de um “Estado-empresário” a mídia corporativa dá um passo a mais na escala do ridículo. Quer fazer crer que não acabou a era da ligeireza econômica, da irresponsabilidade estatal ante a economia, do infausto percurso da razão financista.
Fazendo tábua rasa das conseqüências do mercado desregulado, oculta o que marcou o governo de Fernando Henrique Cardoso: baixa produtividade e alta especulação, baixo consumo e elevadas taxas de desemprego, pobreza generalizada e riqueza concentrada. Prescreve como futuro promissor um passado fracassado. Esse é o eterno retorno dos editorialistas e articulistas de programa. Um feitiço no tempo que atualiza propostas desconectadas do contexto de origem.
Vejam a semelhança dos arrazoados. Tal como nos planos dos estrategistas do modelo de desenvolvimento implantado no país com o golpe de 1964, sem a propensão “estatizante” do governo Jango, o Brasil progrediria nos moldes do capitalismo mais antigo. Livres da intervenção do Estado na economia, da” permissão à desordem pelos “comandos de greve”- e pela” infiltração comunista”- voaríamos em céu de brigadeiro. O desenvolvimento, pregavam os editoriais escritos há 46 anos, seria ininterrupto, para todo o sempre, sem qualquer risco de fracasso. Note-se que a peroração golpista se assentava nos mesmos pilares dos textos de hoje: denúncias de corrupção, aparelhamento do Estado e criminalização dos movimentos sociais com o manifesto propósito de estabelecer uma ordem pretoriana no mundo do trabalho.
O enfraquecimento prematuro ou tardio de setores da classe dominante – com a conseqüente a crise de hegemonia política – tornava decisiva a luta pelo controle do Estado. Sob as bênçãos da maioria dos jornalões, a classe média, conduzida pelos políticos mais reacionários, pela TFP e pelas Ligas Católicas de direita, foi às ruas participar de “Marchas da família com Deus pela Liberdade”.
Os resultados práticos do regime militar não demoraram a surgir: a entrada de poupança externa foi inexpressiva; não se criou indústria nacional e autônoma nenhuma; o financiamento interno serviu para o desenvolvimento das indústrias basicamente estrangeiras de automóveis e eletrodomésticos que formavam o setor dinâmico da economia brasileira, puxando o comércio, serviços e indústrias locais também vinculados a esse pólo. Ao fim, o paraíso prometido foi uma quimera cara, com uma dívida externa estimada em 12 bilhões de dólares.
Ainda assim não faltam nostálgicos,muitos alojados na ANJ e Abert, a proclamar que “vivemos um momento grave, com investidas de inimigos da liberdade de imprensa, propostas que ferem o sentimento religioso do povo brasileiro”, sem falar das hostilidades aos nossos mais tradicionais aliados, com gestos generosos a caudilhos.
Falam de cercos fiscais, regulatórios e ambientais à iniciativa privada, e lamentam não haver substitutos para Oscar Correa, Silvio Heck, Odilo Denis e outros notórios golpistas. Tal como os grandes jornais que tiveram as tiragens reduzidas, as viúvas do “milagre” de Roberto Campos, Delfim Neto, Ernane Galveas e Mário Henrique Simonsen não se dão conta que não falam para quase ninguém. A reduzida base social não lhes permite margem de manobra mais ampla.
Se para a população ficou claro que o país precisa crescer distribuindo, e, para isso, cabe ao Estado criar políticas capazes de desconcentrar a renda, os editoriais do Globo, Estadão e Folha são escritos para quem? Longe de ser apenas uma questão ética, a questão social também é econômica. E o confronto com a mídia uma questão decisiva para que não tenhamos um arremedo de democracia.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
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